Desde o final de 2018, quando o então presidente Michel Temer sancionou uma lei permitindo à União autorizar a exploração de apostas esportivas de quota fixa (na qual o apostador sabe no momento em que joga quanto ganhará se tiver acertado), a regulamentação do setor passou a ser objeto de calorosos debates.
O governo Bolsonaro chegou a ter pronta uma medida provisória para fazer a regulamentação do setor de apostas esportivas online. No entanto, pressões de parte de sua base parlamentar, especialmente de expoentes da chamada Bancada Evangélica, como o deputado Marcos Feliciano (PL-SP) levaram-no a desistir da medida. Consequentemente, terminou sem introdução de regulamentação o período que a lei sancionada por Temer previa para esse fim.
Expectativa de arrecadação do novo governo trouxe regulação das apostas à tona novamente
Apenas neste ano, com a troca de liderança no Executivo, que foi editada uma medida provisória de regulamentação das apostas em eventos esportivas. A ela se seguiu o envio do Projeto de Lei 3626/2023, que cria um arcabouço legal para a outorga onerosa de licenças para pessoas jurídicas explorarem as apostas online e para a fiscalização das atividades delas.
Em 13 de setembro, a Câmara dos Deputados aprovou o texto do substitutivo do relator Adolfo Viana (PSDB-BA) para o projeto de lei enviado pelo Executivo. As mudanças feitas na Câmara incluem alterações na distribuição da arrecadação de tributos sobre o jogo e a inclusão de jogos de cassino virtual. O projeto foi, então, enviado ao Senado, que poderá alterá-lo, também.
O texto deverá ser votado na Comissão de Esportes do Senado, na qual terá como relator o senador Romário (PL-RJ), e na Comissão de Assuntos Econômicos, na qual ainda não tem relator definido. O projeto de lei, que tramita em regime de urgência, trancará a pauta do Senado se, até o dia 11 do mês que vem, não tiver sido discutida e votada.
Apesar dos esforços do governo, que vê o Projeto de Lei 3626/2023 como uma fonte de arrecadação significativa e como uma oportunidade de regularizar e fiscalizar um setor que cresce rapidamente no mundo e no Brasil, há, entre os defensores das empresas de apostas esportivas, preocupação com os rumos que tomará o processo de regulamentação do setor em que elas atuam.
Casas de apostas não se animam com plano de regulamentação atual
Magno José Santos de Sousa, que preside o Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL), afirmou que a regulamentação, como está sendo encaminhada, flerta com o fracasso. Entre os problemas que ele apontou em artigo publicado no site BNLData, de que é editor, estão a tributação elevada dos operadores de aposta e a taxação excessiva dos prêmios dos apostadores.
Quando se computam a tributação específica para plataformas de apostas prevista no projeto aprovado na Câmara, de 18% do GGR (Gross Gaming Revenue, diferença entre a receita obtida com a exploração dos jogos e os prêmios pagos aos apostadores), e as formas de tributação a que empresas de prestação de serviços de modo geral estão sujeitas, diz Magno José, a taxação pode ultrapassar 30% do GGR.
Esse cálculo não inclui o custo da outorga da licença para operar, que pode atingir 30 milhões de reais e deve ser pago até 30 após a emissão do ato de autorização de operação.
Oposição faz barulho na câmara e no senado
Outro fator de risco para os esforços de regulamentação das apostas apontado no artigo do BNLData é a movimentação de parlamentares conservadores, que, quase inevitavelmente, apresentarão emendas e projetos de lei restritivos. Um exemplo: o senador Styvenson Valentim (Podemos-RN) apresentou uma emenda ao projeto de lei que, se aprovada, impedirá que seja veiculada publicidade que promova as apostas esportivas.
Outro exemplo: a Comissão de Esportes do Senado deve votar o Projeto de Lei (3.405/2023) do senador Eduardo Girão (Novo-CE), que proíbe a participação de celebridades, incluindo atletas, comentaristas e apresentadores, na publicidade de apostas.
O parlamentar pelo Ceara é um ferrenho opositor das propostas de regulamentação das apostas esportivas que têm sido apresentadas. Elas, afirma, não tratam com suficiente cuidado problemas como a lavagem de dinheiro, não restringem adequadamente a publicidade do jogo, nem sequer se empenham em dispor sobre penas mais duras para a manipulação de resultados, que já produziu escândalos nacionais e chegou a levar à paralisação do Campeonato Cearense.
O relator do projeto de lei, o senador Sérgio Petecão (PSD-AC), recomendou a aprovação da proposta. Caso isso aconteça, o projeto deverá passar à Comissão de Comunicação e Direito Digital. À Agência Senado, Girão disse que sua emenda é o que pode ser feito na atual conjuntura para mitigar os efeitos deletérios da indústria das apostas, atrás da qual, afirma, levantou-se um grande lobby. Ele prometeu também lutar pela rejeição do texto aprovado pela Câmara, o qual qualificou de muito ruim.
Um dos resultados da ofensiva dos senadores conservadores contra o texto enviado pela Câmara ao Senado pode ser a inclusão de inclusão no texto de jogos de cassinos virtuais, feita na Câmara.
Segundo Magno José, um especialista no setor de apostas estimou que não chegará a uma dúzia de plataformas o número das que conseguirão fazer a transição para a operação regularizada com base no projeto aprovado na Câmara e com as restrições que se esperam por parte do Senado.
Mesmo assim, essas poucas plataformas provavelmente oferecerão odds e condições piores do que as que vêm disponibilizando. Por isso, Magno José diz ser equivocada a previsão do Ministério da Fazenda de arrecadação de cerca de 10 bilhões de reais com a tributação do setor de apostas e de um papel considerável para este no combate ao déficit público.